sábado, abril 18, 2015

Idelber Avelar, o punitivismo, aliados ou adversários.

Debret retrata o carnaval

Meses atrás foram publicizadas denúncias a Idelber Avelar por utilizar seu prestígio intelectual para coagir sexualmente mulheres, inclusive uma jovem com menos de 18 anos. Até então, ele era o intelectual mais ativo no meu Facebook, e provavelmente de muitos outros.

Eis que estes dias chega no e-mail um aviso por meio da Academia.edu para debater um artigo de Idelber sobre Gilberto Freyre: provavelmente, o intelectual brasileiro mais acusado por fortalecer nosso racismo estrutural, em especial por reforçar violações sexuais às mulheres negras. No texto publicado em 2012, Idelber segue uma recepção responsável por defender "o mito do mito da democracia racial" -  a mesma de Hermano Vianna e Antônio Risério.  Recepção essa, opositora à gestada nos EUA, que teve como um dos seguidores Abdias do Nascimento, curiosamente, como defensor do projeto da democracia racial entre os anos 40 e 50.

Não vou me alongar na resenha, mas em síntese, ele trabalha em cima das contradições de Freyre, e busca retomá-las numa leitura sobre raça e sexualidade com foco nas relações entre homens negros e mulheres brancas na sua famosa trilogia. Relações essas, tratadas no misto de "espanto" e "censura".

A divulgação do texto por Idelber parece ser revestida de intenção ou subjetividade de debater mais às suas ações do que o próprio Freyre. Tentarmos reaceitar sua contribuição para pensar o Brasil hoje, mesmo que permeada de intensa contradição com sua práxis. No fundo, assim como tenta fazer com a recepção da obra de Freyre, seu objetivo é atingir um patamar que o adocique às denúncias.

Imagino que para muitas mulheres, e homens, o silenciamento deve ser a melhor resposta às suas supostas violações. Particularmente também convivo diariamente com textos circulando recheados por elogios de determinado autor, mas a que passei por experiência extremamente opressora e racista. Bloqueei o compartilhamento dos seus textos no Facebook, mas não impede de receber suas informações, inclusive por alguns que sabem do ocorrido e o acham o máximo.

Não foi uma "situação", e sim um processo envolvendo a Justiça, a que fui na teoria vencedor, devido o contexto em tratar questões raciais no judiciário brasileiro, porém, perdedor, no sentido que não tive as respostas desejadas, por interferência do juiz favorável aos acusados - algo que descobri um nível de gravidade depois-, e também por aceitar o "acordo" e recusar levar a diante em outras esferas judiciais, caso contrário poderia sentenciar o escracho de forma material e imaterial dos réus.

Ao longo dos últimos oito anos, preferi o silêncio sobre o tema. E infelizmente, o silêncio, não tenho dúvidas, abriu brechas para os pares do acusado atuarem em diversas frentes para deslegitimar a denúncia, inclusive com tentativas de descrédito pessoal e político. Todavia, não me arrependo profundamente pelo silêncio, porque tenho dificuldades de lidar com a individualização envolta no punitivismo, principalmente àqueles que convivem em espaços e lutas comuns.

O debate sobre o punitivismo ganhou força após a lei do feminicídio, e suas consequências objetivas a grupos historicamente discriminados. Agora, precisa ser alastrado, a começar pela dificuldade de obtermos respostas na tipificação do racismo enquanto crime inafiançável - a não ser com o segurança do shopping.

O punitivismo também está em outro parâmetros, e se faz nas recorrentes acusações entre militantes das esquerdas, movimentos negros e feministas - só não coloco sindical, Paulinho da Força passa de qualquer limite.  

Sim, estamos num momento político a que tática e estratégia equivocada de muitos, inclusive na práxis pessoal, dificulta determinar os aliados, seja por machismo ou racismo latentes, o burocratismo senil desde juventude, a incapacidade de autocrítica e aburguesamento das lideranças políticas, o convívio cínico com a corrupção, o patriarcado branco das classes médias de esquerda, o feminismo branco, a arrogância daqueles que se acham mais de esquerda e racionais que os outros, e o essencialismo racial.

Todas essas questões causam, entre nós, profundo desconforto e dificuldade para uma suposta unidade entre setores "progressistas" no país em momento extremamente delicado e muito além da manutenção de governos.

Ao mesmo tempo, todos esses desconfortos não podem ser tratados como atraso, esquerdismo, ou qualquer coisa nesse sentido. Eles demonstram uma legitima ansiedade por novas transformações comportamentais e políticas, sejas no Estado ou na sociedade civil.

Por isso, se alguém esperou até aqui alguma resposta para o tratamento a Idelber Avelar, Gilberto Freyre ou ao meu algoz, se deu mal. Porque não tenho certezas sobre esses assuntos. Tenho a convicção que estes temas precisam ser debatidos sem tabus. Mas como fazer isso? Não sei.