quarta-feira, dezembro 19, 2012

A rendição à cultura do abadá




Não me assusta uma série de artistas, produtores e afins terem participado da construção de projeto com o futuro secretário de cultura, turismo e desenvolvimento de ACM Neto. Isso mesmo, não foi um encontro qualquer, aberto, amplamente publicizado. Conforme explica a reportagem de Luciano Matos no iBahia, foi uma reunião não oficial puxada por uma produtora,  na qual só um veículo da Rede Bahia representou a imprensa.

Particularmente, acho natural que alguns queiram ingressar neste projeto. Era esperado. Mesmo que ele se erga demarcando a diferença com os artistas do axé - recebidos pelo prefeito, com promessas e projetos prontos, entre os quais um carnaval (ou micareta?) na Copa do Mundo que germinou dentro dos camarotes e blocos de cordas. É natural que alguns queiram as migalhas do Camarote Salvador, uma reportagem sobre seus projetos na TV Bahia, e até, quem sabe por um milagre, seus Cd´s distribuídos no Correio* em detrimento de alguns artista da Penta Eventos.

Aliás, o projeto de ACM Neto é histórico e privado quando o tema é cultura e comunicação.  Basta ver o tentáculos da Rede Bahia e Penta Eventos na produção e difusão. Por isso, há uma conformidade conceitual ao pensar o público e privado entre ACM Neto e aqueles que puxaram este encontro. A diferença está nos papéis exercidos no jogral, porque os que se acham "gente que faz"  serão meros figurantes. Negociantes provincianos com pompas de mercadores transatlânticos. Isso não me assusta, é algo presente nestas terras que estava sem um "netinho" para reingressar o tesão patrimonial, já que os recursos oriundos de projetos como Conexão Vivo estão com os dias contados.

Não assusta não mencionar na matéria de Luciano Matos que a cultura negra desta cidade serviu e serve como peças ornamentais para o turismo, sem o retorno de fato e direito. Essas pessoas estavam numa sala discutindo o futuro de uma cidade, futuro de pessoas que dão vida ao nosso imaginário cultural, mas tratam como coisas pessoais, e esperam do Estado o mecenato, o balcão.

O que assusta é que nesta reunião a cultura e suas relações com o desenvolvimento e o turismo sejam tratadas com dislexia. Assusta o fato de terem presentes, e não presentes, que acompanharam as transformações estaduais, nacionais e até internacionais da políticas culturais, e agora as tratam como se não existissem, bem como os impactos a toda cadeia da economia da cultura.

Há um lado que esvazia a história nesta estória. Ou esqueceu-se que o Brasil por meio do baiano Gilberto Gil teve uma papel chave na Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial do Comércio (OMC) para que conglomerados internacionais atenuassem a exportação das Beyoncés e Homem Aranha 3 da vida? Sim, as Ivete´s Sangalo e Xuxa´s sabem os impactos da atuação brasileira. Mas talvez um pequeno produtor ou artista na Bahia enxergue pioneirismo ao falar de comércio e cultura com a gestão de ACM Neto, e que as políticas puxadas por Gil e Juca Ferreira nada tenham a ver com isso.

Esqueceu-se que o País se tornou referência na promoção e proteção da diversidade cultural, e busca constituir um Sistema Nacional de Cultura, que prevê repasses e garantias orçamentárias para o setor? Prefeituras e governos de diversas agremiações partidárias sabem que é preciso a criação de Conselhos e secretarias de Cultura para isto, mas os presentes desta reunião não quiserem dar muito destaque.

Não se trata de forma simplória de um projeto petista. Até porque a principal liderança, Gil, tem trajetória intelectual e artística para além dessas caixinhas. É um projeto de Estado, País e também populações historicamente discriminadas espalhadas pelo mundo. Assusta é que um bando de pessoas sentem numa sala e passem a ver com entusiasmo alguém completamente desconexo deste panorama. Assusta que outras tantas não estejam nesta sala e fiquem em silêncio, escrevendo seu projeto para participar dos editais da Secult-BA.

Assusta ver alguma coerência no egoísmo de Juca Ferreira ao escolher ir para uma minguada secretaria na prefeitura de São Paulo com apoio daqueles que compõem a cena tida como alternativa e independente do País, ao invés de voltar ao local que deu bases a sua trajetória, inclusive como político, a fim de dar vôos mais altos no futuro. Assusta que o diálogo com a Bahia sobre esse panorama ganhe contornos de uma fantasia idílica.

*Aos que apareceram nesta reunião de pára-quedas e não se sentem atingidos por este texto, por favor, não relevem.

2 Comments:

Blogger Mariella Santiago said...

Interessante a visão que você teve desse panorama artístico/político de Salvador, e como isso está relacionado ao brasil e ao mundo inteiro. Obrigada pela s informações!

8:22 AM  
Blogger Luciano Matos said...

nem li o texto todo ainda, mas importante frisar que a imprensa não foi convidada. Ninguém. A assessora do futuro secretário, inclusive, ressaltou isso quando falou comigo.Não fui convidado como jornalista, mas por minha ligação com a produção. Só que sou jornalista e não poderia deixar de fazer uma matéria sobre isso. Era meu dever.

8:29 AM  

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