Eleição de Salvador: o fim da era Leiaute ou o cheiro de mofo na comunicação.
Não acho que o resultado eleitoral de
Salvador representa a derrocada do PT e conseqüentemente do governo Wagner na
Bahia. A eleição municipal tem sua própria dinâmica, e houve exagero com que o
governo foi levado para dentro da campanha. Bem ou mal, isso evidenciou ciclos
que deram demonstrações de estarem cheirando a mofo.
Eles mofaram após o resultado de 2010,
quando a esquerda elegeu dois senadores e um governador no primeiro turno. As
condições políticas para novas rupturas foram postas, porém a prática não se
adequou ao tempo histórico, em especial na área de comunicação, na qual posso
escrever com o mínimo de conhecimento de causa, ao relacionar campanha
eleitoral com o governo do estado.
Durante a eleição de Salvador percebemos
mais uma vez um poderio exagerado de uma empresa de publicidade, a Leiaute,
dentro da campanha de um candidato da esquerda. O interesse deste segmento é
ampliar o número de anunciantes/financiadores de campanha, que passam a ter
mais interferência no processo, desde arco de alianças para ampliar o tempo da
propaganda obrigatória. Estimulasse assim a transformação da política em
mercadoria, algo que não só é possível como necessário de ser atenuado por
aqueles que buscam demarcar distinções de projeto.
Conteúdo
O conteúdo no rádio e tv, folhetos,
internet e mídia exterior ficam distantes do que o eleitor e militantes esperam
do candidato e mais próximos da lógica mercante. Isso também inclui debates e
entrevistas. Sim, distantes. Apesar de alguns lampejos, não tem quem me
convença da efetividade: dos 12 pontos para melhorar o trânsito; a forma como
foi enquadrado o alinhamento com governo Federal e Estadual; responsabilizar
insistentemente ACM Neto pela eleição de João Henrique; ou mesmo o personagem
Pé de Pranta, um estereotipado negro periférico que só sabe falar com gírias e
só utiliza o bilhete único para atividades como encontrar com uma namorada
loira e ir na praia.
É possível produzir conteúdo tão ou mais
engraçado sob outro viés; criar jingles e imagens que sensibilizem e mobilizem
sem gastar com tantos recursos de "blockbuster"; falar da importância
em ter política pública mais próxima do plano nacional sem ser imposição ao
cidadão; discutir planejamento urbano e problemas no trânsito de forma mais
avançada; e não transferir a culpa da atual administração aos eleitores de João
Henrique, que devem ser boa parcela dos 32% que não votaram entre o 13 e o
25.
Mobilização
Apesar da sedução em tratar do conteúdo,
este é só o ponto de partida para tratar de algo mais importante: a relação
entre comunicação e mobilização. A mídia não pode ser enxergada como local
privilegiado para conquistar votos, mas sim intermediação para o eleitor multiplicar
seus votos no dia a dia. O indivíduo não pode ser secundarizado como nesta
eleição. Tanto foi que a "marca" de Pelegrino só foi aparecer de
forma massiva nas praguinhas e adesivos de carros nos últimos 15 dias do
segundo turno. Muitos não assumiam a preferência pelo candidato.
Redes Sociais
O eleitor de Pelegrino ficou órfão de
argumentos nas ruas, e também em outro canal de sociabilidade: as redes
sociais. Facebook e twitter viraram espaços de extensão da lógica
propagandística. Primeiro que era muito melhor, e talvez econômico, dar
"30" celulares aos militantes com acesso à internet e os colocarem
nas ruas postando denúncias, atividades e idéias, ao invés de pagar para uma
turma ficar numa sala com ar condicionado repetindo bordões, imagens irônicas
de ACM Neto e etc. Segundo, não vi argumentos significativos prol Pelegrino/PT
nessas redes, em especial, pela escassez de informação e análises para
subsidiar os debates. É vazio tentar dissociar a eficácia das redes sociais das
"velhas" fontes de informação e mobilização.
Informação
Durante a campanha privilegiou-se o site do
candidato do PT produzir informação para subsidiar o eleitor, o que agrega
pouca credibilidade. Influenciar a concepção da informação é batalha perdida
pela esquerda na Bahia. Obviamente, é um problema nacional, mas não justifica
termos um quadro tão acentuado por aqui. O que nos resta é o fisiologismo: no
conteúdo simbolizado pela aliança da política de segurança com os programas
policialescos; na propriedade com a Igreja Universal (Record) e agora com a
Mário Kertész (Rádio Metrópole).
Não temos uma rede de informação que possa
complementar e duelar com velhas estruturas. No interior existem alguns sites,
jornais e rádios, mas são desconectados. Na capital, que deveria ser o eixo, a
situação é deprimente, e injustificada com os sites e blogs. Sem contar que a
relação da esquerda com os jornalistas se degradou nos últimos anos. Metade da
responsabilidade está na fragilidade e miopia da própria atividade
profissional, que não percebeu a incapacidade de reverter a falência do
pluralismo e autonomia nas atuais redações. Outra metade está na esquerda que
não sofisticou o relacionamento com a imprensa.
O governo do estado
Espero que o que escreverei a partir daqui
não seja distorcido com alcunha de projeto stalinista de comunicação. Mas é sim
papel da política estadual de comunicação auxiliar na construção de outro
modelo comunicativo. A previsão de gastos com publicidade em 2012 é de R$ 130
milhões de reais no governo. Se quer sabemos quanto deste dinheiro é destinado
a cada empresa de comunicação na Bahia - apesar de termos uma Lei Federal
regulamentando esse mecanismo de transparência. Mas sabemos muito bem que esse
recurso é parcamente direcionado para fomentar a mídia pública, comunitária,
livre, independente, universitária, cultural, educativa, pública... ou qualquer
outro nome que represente distinção de projeto sob caráter público. Também são
poucos os recursos reservados para processos de pesquisa e formação de
comunicadores, bem como fomento a conteúdo audiovisual de cunho
informativo.
Tais recursos são manejados
majoritariamente pelas agências publicitárias, principalmente a Leiaute. E
entre as respostas encontradas pela campanha de Pelegrino para reverter o
desgaste do governo do estado estavam as exorbitantes propagandas do próprio
governo, travestidas de informe publicitário, e praticamente duelando com a
propaganda eleitoral. Nem se trata aqui de aprofundar o equívoco que foi cair
na cilada de transformar a eleição da capital como apêndice estadual em alguns
momentos, ou mesmo a ênfase da propaganda em obras como Fonte Nova e Via
Expressa, que agradam mais empreiteiras do que aos cidadãos. A questão é a
incapacidade de disputar projeto no mundo comunicativo sem se resumir ao modus
operandi publicitário.
Conselho
O Conselho Estadual de Comunicação é um
mecanismo adequado e formulado ainda no primeiro governo Wagner para dar conta
de muitos destes anseios. Integrado por empresários, governo e movimentos
sociais, o órgão pode legitimar transformações sob imperativo de ampliação das
liberdades e aumento de vozes na comunicação. No segundo governo o Conselho,
apesar de implantado, se mostra lento. Está prestes a terminar o primeiro ano
de gestão e ainda não conseguiu dar respostas concretas à sociedade, algo que
pode ser imediato ao ampliar a transparência na destinação dos recursos à mídia
comercial e ter tratamento de estímulo, desde que preserve a autonomia, à mídia
de caráter público.
Por isso, não significa que haverá, ou tem
que haver adesão ao governo desta mídia pública. Ao contrário, em muitos momentos ela será espaço
importante de crítica, porém uma crítica que direciona a sociedade civil e o
governo às transformações, e não ao conservadorismo a que se inclinou no
processo da greve dos professores. Greve que teve um acompanhamento exaustivo e
talvez inédito da imprensa local, mas que paulatinamente fragilizou o governo e
posteriormente a luta sindical. Ambos tentaram se aproveitar da imprensa, e
ambos deram vazão a abordagem conservadora. No caso do governo, isso ficou
explicito ao buscar intermediação nos programas policialescos, o que só
fortaleceu a pecha autoritária.
Luz
Após a eleição de Wagner em 2006 fui o
jornalista responsável em produzir o livro Novos Ventos Baianos pela editora
Caros Amigos, e organizado pelo então presidente do PT, Marcelino Galo. Entre
os entrevistados estavam Sidônio Palmeira, um dos sócios da Leiaute. Nessa
entrevista Sidônio declarou que a propaganda de Paulo Souto e do então governo
do estado estavam "cheirando a mofo".
Agora o que está cheirando a mofo não é
apenas o conteúdo, a que Sidônio se referia. Mas sim a predominância de modelo
de comunicação que perpassa o marketing eleitoral, o estímulo a novas fontes de
informação e a política pública estadual. Um ambiente comunicativo que precisa
ter distinções de tratamento, desde que seja para compreendê-lo de forma
integral, e acima de tudo: esteja em consonância com os anseios democráticos.
Durante a campanha o deputado Emiliano José
(PT) teve o mérito de pautar algo abandonado: a propriedade da radiodifusão por
políticos e a patrimonial construção da Rede Bahia. Enxergo tal pauta como luz
de esperança para enfrentar um dos alicerces do que muitos gostam de chamar de
carlismo, e aqui utilizo por mera conveniência. O carlismo manteve o eixo do
seu projeto de comunicação: a Rede Bahia, que agora terá na prefeitura uma
agência de publicidade para lhe subsidiar e aproximar o tom com outros
veículos, sob o mesmo papel da Propeg no passado. Este modelo construiu um
discurso quase uníssono sobre a Bahia na mídia de massa durante a década de
1990.
Cabe aos seus opositores construírem outro
modelo e apresentá-lo de fato à sociedade. Ou então deixarão como legado que os
apoiadores do projeto se resumem a Rede Record e Metrópole FM, ambas
sustentadas pelas verbas publicitárias estaduais, manuseadas pela Leiaute. A questão é que já sabemos o resultado
eleitoral quando se diminuem as condições de diferenciar os projetos. Não se trata de buscar notícias boas ou ruins para o governo, mas sim notícias de qualidade.