quarta-feira, outubro 31, 2012

Eleição de Salvador: o fim da era Leiaute ou o cheiro de mofo na comunicação.




Não acho que o resultado eleitoral de Salvador representa a derrocada do PT e conseqüentemente do governo Wagner na Bahia. A eleição municipal tem sua própria dinâmica, e houve exagero com que o governo foi levado para dentro da campanha. Bem ou mal, isso evidenciou ciclos que deram demonstrações de estarem cheirando a mofo.

Eles mofaram após o resultado de 2010, quando a esquerda elegeu dois senadores e um governador no primeiro turno. As condições políticas para novas rupturas foram postas, porém a prática não se adequou ao tempo histórico, em especial na área de comunicação, na qual posso escrever com o mínimo de conhecimento de causa, ao relacionar campanha eleitoral com o governo do estado.

Durante a eleição de Salvador percebemos mais uma vez um poderio exagerado de uma empresa de publicidade, a Leiaute, dentro da campanha de um candidato da esquerda. O interesse deste segmento é ampliar o número de anunciantes/financiadores de campanha, que passam a ter mais interferência no processo, desde arco de alianças para ampliar o tempo da propaganda obrigatória. Estimulasse assim a transformação da política em mercadoria, algo que não só é possível como necessário de ser atenuado por aqueles que buscam demarcar distinções de projeto.

Conteúdo
O conteúdo no rádio e tv, folhetos, internet e mídia exterior ficam distantes do que o eleitor e militantes esperam do candidato e mais próximos da lógica mercante. Isso também inclui debates e entrevistas. Sim, distantes. Apesar de alguns lampejos, não tem quem me convença da efetividade: dos 12 pontos para melhorar o trânsito; a forma como foi enquadrado o alinhamento com governo Federal e Estadual; responsabilizar insistentemente ACM Neto pela eleição de João Henrique; ou mesmo o personagem Pé de Pranta, um estereotipado negro periférico que só sabe falar com gírias e só utiliza o bilhete único para atividades como encontrar com uma namorada loira e ir na praia.

É possível produzir conteúdo tão ou mais engraçado sob outro viés; criar jingles e imagens que sensibilizem e mobilizem sem gastar com tantos recursos de "blockbuster"; falar da importância em ter política pública mais próxima do plano nacional sem ser imposição ao cidadão; discutir planejamento urbano e problemas no trânsito de forma mais avançada; e não transferir a culpa da atual administração aos eleitores de João Henrique, que devem ser boa parcela dos 32% que não votaram entre o 13 e o 25. 

Mobilização
Apesar da sedução em tratar do conteúdo, este é só o ponto de partida para tratar de algo mais importante: a relação entre comunicação e mobilização. A mídia não pode ser enxergada como local privilegiado para conquistar votos, mas sim intermediação para o eleitor multiplicar seus votos no dia a dia. O indivíduo não pode ser secundarizado como nesta eleição. Tanto foi que a "marca" de Pelegrino só foi aparecer de forma massiva nas praguinhas e adesivos de carros nos últimos 15 dias do segundo turno. Muitos não assumiam a preferência pelo candidato.

Redes Sociais
O eleitor de Pelegrino ficou órfão de argumentos nas ruas, e também em outro canal de sociabilidade: as redes sociais. Facebook e twitter viraram espaços de extensão da lógica propagandística. Primeiro que era muito melhor, e talvez econômico, dar "30" celulares aos militantes com acesso à internet e os colocarem nas ruas postando denúncias, atividades e idéias, ao invés de pagar para uma turma ficar numa sala com ar condicionado repetindo bordões, imagens irônicas de ACM Neto e etc. Segundo, não vi argumentos significativos prol Pelegrino/PT nessas redes, em especial, pela escassez de informação e análises para subsidiar os debates. É vazio tentar dissociar a eficácia das redes sociais das "velhas" fontes de informação e mobilização.

Informação
Durante a campanha privilegiou-se o site do candidato do PT produzir informação para subsidiar o eleitor, o que agrega pouca credibilidade. Influenciar a concepção da informação é batalha perdida pela esquerda na Bahia. Obviamente, é um problema nacional, mas não justifica termos um quadro tão acentuado por aqui. O que nos resta é o fisiologismo: no conteúdo simbolizado pela aliança da política de segurança com os programas policialescos; na propriedade com a Igreja Universal (Record) e agora com a Mário Kertész (Rádio Metrópole).

Não temos uma rede de informação que possa complementar e duelar com velhas estruturas. No interior existem alguns sites, jornais e rádios, mas são desconectados. Na capital, que deveria ser o eixo, a situação é deprimente, e injustificada com os sites e blogs. Sem contar que a relação da esquerda com os jornalistas se degradou nos últimos anos. Metade da responsabilidade está na fragilidade e miopia da própria atividade profissional, que não percebeu a incapacidade de reverter a falência do pluralismo e autonomia nas atuais redações. Outra metade está na esquerda que não sofisticou o relacionamento com a imprensa.

O governo do estado
Espero que o que escreverei a partir daqui não seja distorcido com alcunha de projeto stalinista de comunicação. Mas é sim papel da política estadual de comunicação auxiliar na construção de outro modelo comunicativo. A previsão de gastos com publicidade em 2012 é de R$ 130 milhões de reais no governo. Se quer sabemos quanto deste dinheiro é destinado a cada empresa de comunicação na Bahia - apesar de termos uma Lei Federal regulamentando esse mecanismo de transparência. Mas sabemos muito bem que esse recurso é parcamente direcionado para fomentar a mídia pública, comunitária, livre, independente, universitária, cultural, educativa, pública... ou qualquer outro nome que represente distinção de projeto sob caráter público. Também são poucos os recursos reservados para processos de pesquisa e formação de comunicadores, bem como fomento a conteúdo audiovisual de cunho informativo.  

Tais recursos são manejados majoritariamente pelas agências publicitárias, principalmente a Leiaute. E entre as respostas encontradas pela campanha de Pelegrino para reverter o desgaste do governo do estado estavam as exorbitantes propagandas do próprio governo, travestidas de informe publicitário, e praticamente duelando com a propaganda eleitoral. Nem se trata aqui de aprofundar o equívoco que foi cair na cilada de transformar a eleição da capital como apêndice estadual em alguns momentos, ou mesmo a ênfase da propaganda em obras como Fonte Nova e Via Expressa, que agradam mais empreiteiras do que aos cidadãos. A questão é a incapacidade de disputar projeto no mundo comunicativo sem se resumir ao modus operandi publicitário. 

Conselho
O Conselho Estadual de Comunicação é um mecanismo adequado e formulado ainda no primeiro governo Wagner para dar conta de muitos destes anseios. Integrado por empresários, governo e movimentos sociais, o órgão pode legitimar transformações sob imperativo de ampliação das liberdades e aumento de vozes na comunicação. No segundo governo o Conselho, apesar de implantado, se mostra lento. Está prestes a terminar o primeiro ano de gestão e ainda não conseguiu dar respostas concretas à sociedade, algo que pode ser imediato ao ampliar a transparência na destinação dos recursos à mídia comercial e ter tratamento de estímulo, desde que preserve a autonomia, à mídia de caráter público.

Por isso, não significa que haverá, ou tem que haver adesão ao governo desta mídia pública.  Ao contrário, em muitos momentos ela será espaço importante de crítica, porém uma crítica que direciona a sociedade civil e o governo às transformações, e não ao conservadorismo a que se inclinou no processo da greve dos professores. Greve que teve um acompanhamento exaustivo e talvez inédito da imprensa local, mas que paulatinamente fragilizou o governo e posteriormente a luta sindical. Ambos tentaram se aproveitar da imprensa, e ambos deram vazão a abordagem conservadora. No caso do governo, isso ficou explicito ao buscar intermediação nos programas policialescos, o que só fortaleceu a pecha autoritária.
   
Luz
Após a eleição de Wagner em 2006 fui o jornalista responsável em produzir o livro Novos Ventos Baianos pela editora Caros Amigos, e organizado pelo então presidente do PT, Marcelino Galo. Entre os entrevistados estavam Sidônio Palmeira, um dos sócios da Leiaute. Nessa entrevista Sidônio declarou que a propaganda de Paulo Souto e do então governo do estado estavam "cheirando a mofo".

Agora o que está cheirando a mofo não é apenas o conteúdo, a que Sidônio se referia. Mas sim a predominância de modelo de comunicação que perpassa o marketing eleitoral, o estímulo a novas fontes de informação e a política pública estadual. Um ambiente comunicativo que precisa ter distinções de tratamento, desde que seja para compreendê-lo de forma integral, e acima de tudo: esteja em consonância com os anseios democráticos.

Durante a campanha o deputado Emiliano José (PT) teve o mérito de pautar algo abandonado: a propriedade da radiodifusão por políticos e a patrimonial construção da Rede Bahia. Enxergo tal pauta como luz de esperança para enfrentar um dos alicerces do que muitos gostam de chamar de carlismo, e aqui utilizo por mera conveniência. O carlismo manteve o eixo do seu projeto de comunicação: a Rede Bahia, que agora terá na prefeitura uma agência de publicidade para lhe subsidiar e aproximar o tom com outros veículos, sob o mesmo papel da Propeg no passado. Este modelo construiu um discurso quase uníssono sobre a Bahia na mídia de massa durante a década de 1990.

Cabe aos seus opositores construírem outro modelo e apresentá-lo de fato à sociedade. Ou então deixarão como legado que os apoiadores do projeto se resumem a Rede Record e Metrópole FM, ambas sustentadas pelas verbas publicitárias estaduais, manuseadas pela Leiaute.  A questão é que já sabemos o resultado eleitoral quando se diminuem as condições de diferenciar os projetos. Não se trata de buscar notícias boas ou ruins para o governo, mas sim notícias de qualidade.

quinta-feira, outubro 18, 2012

A busca inócua pelo eleitor do engarrafamento no Itaigara



Acho inócuo disputar a "velha" classe média de Salvador com propostas de viadutos e afins. Este eleitor, que tem o trânsito no Itaigara como a coisa mais importante da vida, votará em ACM Neto por relação ideológica, familiar, racial e de classe. A nível municipal, o PT disputou e reverteu segmentos desta classe média com concepções avançadas de planejamento, além de gestão sob alicerce da transparência e participação popular. E isso deu muitos resultados, não só eleitorais, mas também de quadros políticos, intelectuais e etc. É o tradicional voto de "opinião", sob capacidade de se multiplicar, por exemplo, nas universidades, que se expandiram nos governos Lula.  

A questão é que agora a "velha" classe média pode definir a eleição de Salvador, e os gênios do marketing voltaram a se balizar em pesquisas de opinião quantitativa no 2° turno: "O trânsito é um dos principais problemas para este setor da cidade. Logo, vamos propor resolver isso." Descartaram o viés qualitativo do debate urbano. Na verdade, acho que Pelegrino deu sinais que ia perder este debate ao não ir de encontro ao Camarote Salvador, sob propriedade da família Magalhães. Perdeu a oportunidade ímpar de ideologizar a concepção público x privado (oligárquica) neste setor social- é curioso como pessoas que tornaram o movimento Desocupa a coisa "Avant-Gard" do verão declararem voto em ACM Neto. 

Antes que me acusem de elitista, também acho que existe voto de "opinião" e ideológico nos setores populares. Mas isto é outro papo.