segunda-feira, abril 28, 2014

A passagem de um Ogã das arquibancadas



Por Pedro Caribé

Ao ultrapassar os portões do Barradão símbolos lhe mediam com o ritual de um santuário. Um desses conectores era Lucas "Chapolin" Lima, assassinado no último dia 25 de abril. Ele tinha o dom e conhecimento para intensificar a relação das almas presentes à essa transcendência.

Puxador da maior organizada do estádio, começava seus trabalhos esquentando a percussão acompanhada com batida na palma das mãos, e evocava o cântico que ligava os velhos com os novos: "Nêgoooo, Nêgoooo".

Por anos me guiei pelos gestos de Lucas. Entre os diversos Ogãs do Barradão, ele tinha um cargo singular, pois era seguido por um batalhão de jovens, a maioria das mesmas periferias a que saíra. Menino de Mussurunga, Lucas era o membro mais conhecido de uma família fanática.

Carregava na sua classe e cor o preconceito das antigas elites que tentam voltar a hegemonizar os estádios, principalmente aquelas que estão nos camarotes ao lado das diretorias dos clubes e federações.

Na adolescência até integrei as fileiras no nascedouro da Torcida Uniformizada Os Imbatíveis (TUI). Carregava bandeiras, registrei e doei as fotos da primeira vez que o bandeirão foi erguido em 1999.

Nunca fui muito próximo de Lucas, mais ainda ao se distanciar do cotidiano da organizada. Preferi mesmo assistir aos jogos ao lado de meu pai com mais contemplação e segurança.

Ainda assim, mantive por muito tempo admiração pela TUI e por Lucas. A TUI começou balizada pela independência com a diretoria, numa época que falar de igualdade no futebol era mais distante. Na década de 1990 o Vitória era provavelmente o "emergente" mais promissor do futebol nacional.

Porém, Lucas e a TUI contribuíram para nos tornarmos mais aguerridos na inconstância dos últimos anos. Alguns times até inferiores foram imbuídos da garra que emana das arquibancadas, e até um dos presidentes mais fortes de uma centenária história foi deposto.

Na última sexta-feira um dia após ver seu time ser eliminado pelo modesto J. Malucelli na Copa do Brasil, Lucas foi assassinado sob características de execução no local a que tocava seu singelo e honesto negócio no Centro de Salvador.

Não foi publicizada nenhuma prova cabal que associe o homicídio ao futebol, e até a principal organizada do time rival soltou notar de pesar. Mas se for confirmada a suspeita que paira no ar, será a primeira vez que meu mundo futebolístico se relaciona com a violência da forma mais crua possível.

O rosto de Lucas era familiar aos que frequentam o gol que "dá para a orla". É fato que não era difícil ver o seu sorriso, e os mais próximos dizem que ele era um brincalhão ao que tornava pertinente o apelido "Chapolin".

Mas sua passagem para Olorun é doída. Além das circunstâncias da morte, o último clássico a que presenciou foi de comemoração de título do rival, e neste domingo devia estar transitando pelas arquibancadas de Pituaçu ao ver o time permitir um empate com sabor de derrota.

Desejo que o encontro de Lucas com o mundo dos Deuses seja um encontro com a paz, e que essa possa ser repassada para seus irmãos que continuam no mundo dos vivos. Desejo que possa repassar aos demais que não existem reis e déspotas dentro de um clube.

Por anos esperei que Lucas puxasse algum grito por mais democracia no nosso querido Vitória. Desejei que ele buscasse o tratamento igualitário no dia a dia o clube para seus jovens e negros seguidores das periferias que cercam o Manoel Barradas.

Eles que tornam o espetáculo transcendente. Ligam o futebol ao mundo dos Deuses. Também são eles que vão morrer nas ruas com mais violência. Ou terão seus rituais tragados pela tal modernização das arquibancadas.

sábado, abril 26, 2014

O chumbo impregnado nos jornalistas baianos

Por Pedro Caribé

Se enganam os que acham que os tempos de chumbo acabaram na imprensa baiana. Atualmente repórteres e ex-repórteres do A Tarde respondem por processos judiciais originários de empresas imobiliárias em Salvador. O jornal sequer é citado, e deixa os profissionais ao léu. O Sindicato dos Jornalistas só solta notas, e ainda sem citar os autores das ações e até mesmo esquece outros atingidos. A ABI então, nem cisca.

O primeiro a ser condenado é Aguirre Peixoto. Seis meses e seis dias em regime aberto, revestidos num multa de 10 salários mínimos. Na época das reportagens ele chegou a ser demitido do A Tarde e depois foi reintegrado devido mobilização bonita e singular da redação. Foi suspiro final. O curioso é que a ação envolve obras do governo do estado na capital, sob licenças ambientais da prefeitura. Só os empresários mostraram a cara, mas os processos envolvem muito mais gente, direta ou indiretamente.

Os réus tem dificuldades para se reunir e enfrentar o assunto coletivamente. Ainda assim, parece ser o único caminho para enfrentar o caso. Acho que alguns nem tem noção do que se passa ou se passará.

Tempos atrás instiguei uma ex-editora do A Tarde a denunciar os ataques judiciais após seu ativismo contra o Camarote Salvador como um caso de cerceamento à liberdade de expressão. Ela recebeu o comunicado dentro do jornal, mas disse que o caso não tinha nada a ver com sua atividade profissional. Ela não entendeu que sua função social estava para além de um empresa, e digo mais, para além de um diploma ou registro profissional. Envolve radialistas, comunicadores comunitários, blogueiros, escritores de facebook.

Sim, temos técnicas e tecnologias potentes para difundir nossas posições e informações. Mas as velhas amarras por meio do Estado, grupos empresariais e até mesmo na formação dos comunicadores persiste. Quem pratica algo que se identifica como jornalismo na Bahia sabe bem disso.

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quinta-feira, abril 03, 2014

Linha Viva: o apartheid de ACM III mostra sua face


Por Pedro Caribé

Projetada por João Henrique, a Linha Viva já está com licitação aberta em Salvador. É o maior crime à cidade desde Reforma Urbana de ACM I em 1968, e demonstra qual é de fato o projeto de ACM III para a capital. É uma autopista que atravessa a periferia com pedágios e destinada apenas para carros, destrói áreas verdes e desaloja mais de 3 mil famílias.

A especulação imobiliária da Região Metropolitana vai se deleitar. Os pobres vão ter na sua janela um muro os separando de uma via semelhante à Linha Amarela no Rio, mas não da poluição. Essa medida demonstra o quão o "Salvador Vai de Bike" se torna mera purpurina frente ao modelo urbano e econômico que irrompe barreiras municipais.

A aprovação da Linha Viva também evidencia a incapacidade da oposição apresentar outro modelo urbano e polarizar o debate. Construir viadutos, pistas e pontes também tem sido a base da proposta modal do governo petista. Tende a ser mais um debate perdido nesses 15 meses de gestão.

Sim, a prefeitura de ACM III vem carregada de novas e velhas práticas. O contexto político também está carregado de novos e velhos vetores. Mas não adianta ser oposição pura e simplesmente, ou repetir mantras manjados. Falta direção política, e isso não significa reformulação de elite burocratizada. Falta ouvir e se aproximar dos Tapuias que colorem o carnaval, os insubordinados que lutam contra a higienização da rola e os maloqueiros que alarmam o perigo do armamento à Guarda Municipal.

Existe uma tradição de resistência secular nas veias da cidade a que as elites políticas à esquerda se distanciaram. Nos primeiros meses de gestão alguns enfatizavam os buracos na rua. Era óbvio que esse tema iria ser contornado pela gestão, e ainda por cima é pauta prioritária da classe média conservadora.

Brigar contra o aumento do IPTU? Mas não é exatamente isso que a prefeitura do PT em São Paulo tenta fazer? Um dos problemas nevrálgicos da cidade é a falta de arrecadação, se arrasta há décadas, enfatizado pela desastrosa reforma no uso do solo de ACM I em 68. O aumento do IPTU abre brecha necessária para maior intervenção estatal e democrática em Salvador. A questão não deveria ser, o que fazer com o IPTU, como será direcionado?

Depois inventaram em enfatizar a exclusividade das cervejas nas festas populares. Vender cervejas da Ambev não deveria ser o foco do debate, mas sim: é certo ocupar o imaginário da cidade com marcas de cervejas e bancos assim como fizeram com a Fonte Nova? O capital simbólico de Salvador é muito forte para ser colonizado sem regulação pela Schin e Itaú. É como se a camisa da seleção tivesse mais banners do que um clube na Série C.

Enfim, quem avisa amigo é. Porque nas eleições de 2014 será difícil se dizer diferente num palanque recheado por César Borges, Otto Alencar, Leão, Negromonte e Marcelo Nilo.

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