segunda-feira, setembro 26, 2005

A revolução iniciada: o fim da crença da conquista do estado
Por Antonio Martins

John Holloway sustenta, num texto de enorme atualidade no Brasil: a idéia da transformação social está viva. O que morreu foi a crença de que é preciso começar pela “conquista” do Estado.
Quase quatro meses depois de iniciada a crise do governo Lula, é espantoso não ter surgido ainda, no Brasil, um debate sobre o projeto estratégico que orientou a esquerda, nos últimos 25 anos. Entre muitos, os fatos que vão se revelando a partir dos depoimentos do deputado Roberto Jefferson provocam desencanto e apatia. Outros os encaram conformados, como se adaptar-se ao jogo fisiológico da política brasileira fosse uma decorrência inevitável da chegada ao governo; e como se o importante, agora, fosse assegurar que o Estado continuará sendo gerido "pelos nossos" -- ainda que para proveito dos de sempre. Por fim, há quem insista em reduzir o drama a sua dimensão pessoal. Tudo poderia ser explicado pela traição de certos personagens históricos. Bastaria substituí-los – talvez por meio do lançamento de uma nova alternativa eleitoral – para restaurar a grandeza da proposta.
Enquanto isso, adia-se a formulação das perguntas cruciais. Que resta, após o governo Lula, do plano de mudar a sociedade brasileira concentrando as energias na "conquista" do poder de Estado? A que grau de paralisia, burocratização e rendição à lógica do capital ele levou as forças que o adotaram? Quais as bases para construir um projeto alternativo? Como rearticular o dinamismo da sociedade brasileira, em sua busca por direitos e igualdade?
Um desbravador e suas contradições
Estudioso entusiasmado do movimento zapatista e intelectual cada vez mais presente no mundo dos Fóruns Sociais, o cientista político irlandês John Holloway tem contribuições a prestar, quando se entra neste tema. Como ocorre com todos os desbravadores, sua obra é heterogênea. Mudar o mundo sem tomar o poder, seu livro mais conhecido, foi visto por muitos como renúncia à idéia de revolução, ou concessão radical ao anarquismo. Em face do fracasso das grandes tradições revolucionárias do século XX, Holloway estaria dizendo que nos resta apenas a luta pelas pequenas mudanças.
Esta impressão foi reforçada por sua participação no Fórum Social do Nordeste brasileiro (Recife, novembro de 2004). Ao abordar, num seminário promovido pela Agenda Pós-Neoliberal, as decepções provocadas pelo governo Lula, ele afirmou que todas as tantativas de transformação estão condenadas ao fracasso, enquanto vivermos sob a democracia representativa. As lutas sociais deveriam dedicar-se a exercer resistência ao capitalismo nas brechas ou fissuras do sistema. Como a ênfase de Holloway estava na negação do que ele considera velho, não foi possível compreender como esta resistência poderia, em algum momento, deixar as brechas e se espalhar pela vida social.
As três hipóteses de Buenos Aires
Inédito em português, um dos texto que a Agenda Pós-Neoliberal publica a seguir é mais afirmativo e mais claro. São as notas de outra fala, proferida em Buenos Aires, também em 2004, quando o autor participou do lançamento da edição argentina de Mudar o mundo sem tomar o poder. Nela, Holloway sustenta três pontos de vista essenciais: 1. A idéia de superar o capitalismo por meio das lutas sociais é hoje mais válida que nunca, inclusive porque os riscos de barbárie e de destruição do planeta estão se tornando maiores e mais nítidos; 2. O engano trágico das principais tradições de esquerda no século XX – tanto a “revolucionária” quanto a “reformista” – foi supor que a transformação seria feita a partir da “conquista” do Estado. Ao adotar esta perspectiva, a esquerda introduziu, no núcleo central de seu próprio projeto, um contrabando capitalista. Porque o Estado não é neutro: ao estabelecer a separação entre sociedade e poder, ele reproduz permanentemente o processo de alienação sobre o qual se constrói o capitalismo. 3. A fixação no Estado impediu que a esquerda enxergasse a revolução que já está em curso.São as múltiplas formas de fazer social que se orientam por lógicas opostas às do capitalismo. Entre tantas outras, a defesa dos direitos, como resistência e alternativa à mercantilização da vida; a prática da solidariedade, ao invés do individualismo e do egoísmo; a construção de uma cultura de paz, em resistência às guerras e à tentativa de impor a lei do mais forte nas relações sociais e entre os países.
Holloway é generoso ao extremo, quando passa a relacionar as práticas capazes de criar uma nova lógica social. Sua desejo é descobrir rebeldia inclusive nas ações quotidianas. Faltar ao trabalho para passar um dia brincando com as crianças, diz ele, pode ser uma forma de agir contra o capitalismo. Mas é algo visto como frivolidade. Obcecada pelo poder, a velha tradição passou a hierarquizar as lutas. Colocou no topo da pirâmide as que abriam caminho até o Estado. E considerou todas as demais como secundárias e subordinadas.
Poder, palavra de dois sentidos
Como tornar mais efetivas as rebeldias do quotidiano? De que forma articular, num projeto de mudança social, os protestos gigantescos contra a guerra, a comunidade de desenvolvedores de software livre, a campanha pela anulação das dívidas do Sul e os que trocam a venda de sua força de trabalho por um dia de prazer com os filhos? Na fala de Buenos Aires, Holloway parece preocupado com este tema. Por isso, enfatiza algo que é menos evidente em seu livro, ou nas leituras apressadas que se fazem dele. Para ele, há dois sentidos na palavra poder – e um deles pode ser apropriado pelos que querem transformar o mundo.
Poder sobre, diz Holloway, é a noção que serve capitalismo. É o controle privado sobre relações sociais que são, por sua natureza, coletivas; ou a possibilidade de decidir o fazer de outros. Mas há também a noção de poder fazer. Trata-se do “fluxo social do fazer”, da capacidade que temos de, juntos, recriarmos nossa vida. Holloway dá exemplos: “Depois desta reunião, teremos uma sensação mais forte de nosso poder”. Ou: “O movimento feminista deu às mulheres a noção de seu poder”.
A grande questão seria, portanto, assegurar que o poder fazer prevaleça em relação ao poder sobre. Embora o autor não trate diretamente do assunto, é possível que o pensamento de Holloway ajude a compreender as possibilidades abertas pelo Fórum Social Mundial – e os desafios que ele tem à sua frente. Não-hierárquico por natureza, o FSM poderia ser visto como o espaço em que os sujeitos do poder fazer se encontram, para conhecer e potencializar mutuamente suas múltiplas ações.
Um Fórum Social do “poder fazer”?
A partir desta ótica, seria cada vez mais necessário incorporar ao Fórum todas as formas de iniciativa social orientadas por uma lógica não-capitalista, recusando radicalmente qualquer hierarquização entre elas. Todos são bem-vindos. Os que propõem mudanças que se chocam contra o conjunto das relações capitalistas (por exemplo, um novo sistema internacional de comércio, em oposição à OMC). Os que se travam batalhas que exigem recuos parciais do sistema (garantir a gratuidade dos tratamentos contra a AIDS, desmercantilizando o direito à vida, por exemplo). Os que dedicam parte de seu tempo a ações orientadas por novos valores, ainda que não opostas claramente ao capital (difundir a idéia do extrativismo sustentável, ou garantir apoio às vítimas do tsunami, por exemplo).
O diálogo entre todas estas sensibilidades tenderia a revelar a importância de ações comuns. Para continuar com os casos já citados: a possibilidade de passar mais tempo com os filhos será multiplicada se houver uma campanha mundial bem-sucedida por uma jornada de 30 horas de trabalho por semana. E a preservação da Amazônia poderá ser efetivamente assegurada se regras comerciais novas impedirem, na prática, a venda da soja plantada em substituição à floresta. No entanto, as convergências e ações comuns no FSM deveriam continuar a ser feitas, voluntária e horizontalmente, pelas próprias organizações que se dedicam a cada tema. Isso exige provavelmente mais tempo, mas afasta os riscos de hierarquizar as lutas, ou de estabelecer, também no Fórum, relações de poder sobre.
A crise brasileira e sua oportunidade
As idéias de Holloway são úteis também para examinar, a partir de outra ótica, a crise brasileira. Em poucos países, o dinamismo da sociedade em busca de seus direitos é tão forte como aqui. Mesmo nas localidades mais empobrecidas e remotas multiplicam-se associações de cidadãos em favor das mais variadas causas. Algumas iniciativas políticas inovadoras, adotadas de modo autônomo pela sociedade (o plebiscito sobre a ALCA, por exemplo) tiveram alcance nacional. A irreverência, esta atitude de ironia permanente diante das autoridades e idéias estabelecidas, é um traço do caráter nacional. A ela se somou, nas últimas décadas, um movimento de afirmação de identidades que questiona as tradições senhoriais do Brasil em vários terrenos – tendo estabelecido novos padrões culturais nas relações entre etnias e sexos.
E no entanto, toda esta ebulição social foi colonizada pela idéia de que o importante era a “conquista” do Estado. Na imagem projetada pela mídia de mercado, quem aparece como portador da resistência às relações capitalistas não são as múltiplas iniciativas por uma vida nova, mas a esquerda institucional. Não é de estranhar que se espalhe a sensação de fracasso...
Por isso, talvez valha a pena prestar atenção, na turbulência, ao aspecto de oportunidade que todas as crises oferecem. Há um ciclo que se fecha. Há a possibilidade de abrir outro, a partir das múltiplas iniciativas em que estamos envolvidos. Haverá ousadia para dar o passo adiante? Nada está escrito, gostava dizer Lawrence da Arábia, interpretado por Peter O'Toole, num fime magnífico dirigido por David Lean, a partir de livro de T.E. Lawrence. É hora de exercitar o poder fazer... (Antonio Martins)
"Entrando" no movimento...

Na sexta-feira, dia 23 de setembro, foi convocada uma reunião no Espaço Libertário em Nazaré, para discutir e aproximar libertários ou simpatizantes de Salvador. A pauta do dia não poderia ser outra: as mobilizações e organização do Movimento Pelo Passe Livre (MPL). Ao lado a antiga Casa do Estudante, um espaço que fora ocupado por estudantes anárquicos, mas tomado por uma entidade estudantil que nem existe mais.

A simplicidade era um traço comum as pessoas que ia chegando no lugar que sobrevive como estúdio para pequenas bandas. No som Jethotul, nas paredes cartazes de tom anarquista em diversas línguas. Sem alardes decidiu-se começar a reunião às 7h. Fizeram uma roda em que ainda acanhado me alinhei. A única garota pediu para nos reapresentarmos, pois haviam pessoas novas. Cada um foi falando seu nome ou apelido sem as identificações típicas das reuniões políticas. Não me senti a vontade para anotar os nomes das pessoas ou qualquer outro tipo de informação. Não queria ser um mero jornalista, mas sim alguém que se identificava como as coisas iam andando.

Todo a debate partiu de uma premissa: o conselho municipal de transporte não tem legitimidade para discutir o problema do transporte em Salvador. O membros são na maioria de empresas como SETPS, sindicatos e entidades atreladas ao PT e PC do B. Restam poucas vagas para um movimento social ligado interessado no MPL. A outra premissa é que é necessário juntar 90 mil assinaturas para mandar a câmara um projeto de lei que estabelece o MPL. Na verdade passe livre já um direito garantido pela Constituição (artigo 208, inciso VII) e pela lei de Diretrizes e Bases da Educação (artigo 10, inciso VII, e artigo II, inciso VI). Mas teme-se que ao adotar a lei o STPS e prefeitura passem os custos para os não estudantes. O ideal é inverter a lógica, ao invés do “paga quem usa”, o certo é paga “quem se beneficia”. Como assim? Patrões das diversas formas passam a pagar o transporte do empregado, pois são eles que necessitam do trabalhador e não o contrário. Mas como sabemos que pequenas e médias empresas o país estão a beira do abismo tem se uma alternativa complementar, que é transformar o transporte num sistema como o SUS. É só apresentar a identidade e entrar. Os custos podem vir das multas, IPVA e até mesmo a adoção de um novo tributo. Que com certeza, vai sair mais barato do que os preços atuais. Numa cidade onde 72% depende do transporte público seriam uma economia qualitativa.

A ofensiva dos patrões

Tentando evitar o crescimento do MPL SETPS e prefeitura estão discutindo atitudes agressivas a população. A primeira é a extinção da gratuidade para correios, policiais e demais categorias. Tentando passar a responsabilidade da tarifa para tais classes. Assim, lutar pela manutenção e mais um direito adquirido retardaria a luta pelo MPL. Outra ofensiva é diminuição dos salários dos rodoviários, o que pode confrontar o segmento com o MPL.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Chegando na estação da Lapa...

Continuando meu percurso pela Revolta do Buzu II, sai ainda na segunda-feira do Politeama para a estação da Lapa. No caminho um clima de tensão no ar. Um simples engarrafamento de ônibus na Rua Direita da Piedade instigou um grupo de estudantes do Colégio Mercês para chegar perto e saber se era uma manifestação, alarme falso.

Cheguei por lá por volta das 18h na Lapa, lá encontrei uns 200 estudantes, remanescentes no local desde das 11h. Coencidentemente jornais e tv´s chegavam no local no mesmo horário.
Estavam parando os ônibus e só liberando aqueles que deixassem entrar qualquer um pela porta da frente. Muitos passageiros e motoristas estavam irritados com o engarrafamento provocado na estação. Linhas como IAPI e Massaranduba não queriam permitir a entrada de estudantes pela frente. O que gerava gritos como “ão, ão, ão dois e vinte é do feijão”.
Fui inicialmente entrevistando algumas pessoas, buscando abarcar ao máximo a diversidade de grupos que tinham naquele local. Ao procurar um estudante do PSTU ele me indicou outro para falar (seria uma ordem interna?), conversei com Hermenegildo Neto, 18 anos, pré vestibulando e ex aluno do CEFET e membro da CONLUTE. Neto, como gosta de ser chamado, explicou que o pessoal veio do CEFET pela manhã liderado pelo grupo dele. Fez um discurso contra os líderes da UJS, em especial Marcelo Gavião, um cara com mais de 22 anos e presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Segundo ele as entidades como UBES e UBE são controladas pelo PC do B, por isso não tem compromisso com as transformações sociais e sim com em “abaixar a cabeça” para o governo Lula, João Henrique e etc. Sobre o caráter anárquico do movimento Neto alegou eu o antipartidarismo se reveste do facistóide. Mas é legítimo pois representa uma descrença nos principais partidos brasileiros. Quando perguntei se eram a favor do MPL (Movimento pelo Passe Livre) não teve muita segurança, mas alegou que sim.
Ouvi da maioria que estavam ali o mesmo que Danilo Santos, 19 anos, 3º ano do Central, “o povo está nas ruas contra a opressão das elites empresariais, a tarifa não pode aumentar”.
Já perto das 19h estava encostado e cansado quando ouvi atentamente a conversa de dois estudantes do colégio militar. Um que se dizia da UJS tentava convencer ao outro que a entidade é grande, pode se filiar de graça e que está lutando pelo socialismo no Brasil.
Às 19:15h passou um Aeroporto via orla, abriu a porta de frente. Entrei e fui pra casa. Também sou estudante né?